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Suicídio no trabalho

Suicídio no trabalho
Por Silvia Generali da Costa, psicóloga e assessoria em saúde do SIMPE-RS
Março de 2020

Há 10 anos, Christophe Dejours, o psicanalista francês conhecido como “o pai da Psicodinâmica do Trabalho”, concedeu uma entrevista à Ana Gerschenfeld, que resultou em uma matéria no jornal Público, com o título Um suicídio no trabalho é uma mensagem brutal.

Dejours analisou episódios de suicídio ocorridos nas dependências de empresas, entre as quais organizações francesas e belgas, sendo um dos mais emblemáticos o caso da France Télécom, com 25 suicídios. Na ocasião, o psicanalista apontou para a existência de três formas de gestão que estariam na base do sofrimento dos trabalhadores: a avaliação individual do desempenho, a exigência de “qualidade total” e o outsourcing. Estas três ferramentas teriam em comum o isolamento do trabalhador, a fragilização de seus laços sociais, a solidão e o desespero decorrente.

Analisando a situação brasileira, passada uma década da entrevista concedida por Dejours, encontramos muitos elementos que podem estar na gênese do fenômeno do suicídio no trabalho. A precarização das relações de trabalho, a perda de poder aquisitivo dos salários, o desemprego, as já referidas avaliações de desempenho individuais e a terceirização tem levado trabalhadores brasileiros ao estresse, à ansiedade e à depressão.

Especificamente em relação ao trabalho no setor público brasileiro, é possível apontar fatores de desestabilização emocional e de fragilização social dos servidores. Entre eles estão: a) no âmbito político-econômico - as ameaças à estabilidade do servidor, a reforma da previdência, o aumento das contribuições previdenciárias, a instabilidade política e econômica, a perda de poder de compra e a falta de acesso a serviços de boa qualidade em saúde, segurança e educação; b) no âmbito da gestão – a importação de tecnologias gerenciais do setor privado para o setor público, sem as devidas e necessárias críticas e adaptações, os estilos autoritários de gestão, e as estruturas organizacionais piramidais, que reforçam a centralização do poder, a hierarquia, o formalismo e os problemas de comunicação, a falta de critérios claros de avaliação, a imposição de metas excessivas e a carga elevada de trabalho; c) no âmbito da satisfação com o trabalho: a falta de condições de trabalho, a dificuldade de participação, as fracas ou inexistentes oportunidades de crescimento e de aprendizagem, a monotonia e a falta de autonomia; e d) no âmbito cultural – o reforço ao autoritarismo, à falta de diálogo e aos mecanismos de punição como modelos de liderança.

É neste contexto que vicejam as mais diversas manifestações de assédio moral, o adoecimento físico e mental dos servidores, o individualismo, a competição predatória e o esfacelamento dos laços de apoio que mantêm indivíduos e grupos íntegros, coesos e mais saudáveis.

Frente ao desespero, o suicídio tem sido visto como um caminho para servidores de diversas áreas.

As organizações de trabalho podem alegar existência de patologias prévias do servidor, que estariam na causa do suicídio, e assim isentar sua responsabilidade como empregadoras. Entretanto, há casos em que o suicida aponta claramente sua frustração com o trabalho ou mesmo se suicida dentro da instituição, o que caracteriza o “recado brutal” citado por Dejours.

Não se descarta a existência de patologias individuais na gênese do suicídio. O que se quer chamar a atenção é que vida dentro e fora do trabalho são complementares e interdependentes, tornando muito delicado distinguir a origem do desespero. O que se sabe, e o próprio Dejours já publicou estudos a respeito, é que o trabalho pode tanto promover como arruinar a saúde mental de um indivíduo.

Apesar do contexto amplo desfavorável, o papel da instituição de trabalho continua sendo o de garantir um ambiente físico e psicológico saudável, que previna e atenue o sofrimento do servidor e que possa ser um esteio – não uma causa nem uma pá de cal – para um momento de crise.